terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Aprender a rezar na Era da Técnica


O novo romance dos «Livros pretos» de Gonçalo M. Tavares, livro que se segue ao romance Jerusalém. Aprender a rezar na Era da Técnica é a história de Lenz Buchmann, médico que a certa altura decide trocar a medicina pela política. Este livro relata as fases de força, doença e morte de Lenz Buchmann. Os conflitos de família, a forma de lidar com a doença por parte de um homem poderoso, as reacções da cidade a um crime, as relações de antagonismo com outra família. A natureza, a técnica, a força, a fraqueza. Por fim, a decadência.
Depois de Um Homem: Klaus Klump, A Máquina de Joseph Walser e Jerusalém, Aprender a rezar na Era da Técnica mantém o mesmo olhar sombrio sobre a condição humana: «O que vês quando olhas para onde todos olham?»

«O que nas pessoas estranhas, desviadas por passo próprio ou enxotadas pelos outros, o fascinava era a absoluta liberdade individual com que faziam as suas escolhas. Num louco ou num pedinte que vagueava pelas ruas a pedir pão e sopa e que, de noite, tal qual os outros humanos, só queria dormir, Buchmann via quem poderia escolher em liberdade pura, e sem consequências, a sua moral individual. Moral que nem sequer tem um par, um elemento que a acompanhe. Quem iria contestar a «vida imoral» de um pedinte ou de um louco? Aqueles homens tinham já em si, pela sua diferença, uma carga de imoralidade universal e profunda, que os tornava imunes às pequenas imoralidades praticadas. Um louco, tal como um pedinte, não era imoral. Eram indivíduos sem cópia, semelhantes a um rei; alguém que não tem par, que não tem aquele que está ao seu lado. E por isso não há para esses homens escorraçados, como não há para o homem mais poderoso, qualquer critério de comparação. Buchmann olhava com admiração para aqueles homens que traziam no bolso um sistema jurídico único, com o seu nome no fim. De certa maneira, era isso que Buchmann desejava; ser portador de um sistema legal cujas leis só fossem aplicadas a si; ser portador de uma moral que não é a do mundo civilizado nem a do mundo primitivo; que não é a moral da cidade ou sequer a moral da sua família mas a moral que tem o seu nome, apenas o seu, escrito por cima. »

Excerto de Aprender a rezar na Era da Técnica, Caminho, 2007
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