quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Antes e o Depois - Diário digital


O Antes e o Depois de Gonçalo M. Tavares
Texto: Pedro Justino Alves

Diário digital
quarta-feira, 17 de Novembro de 2010 | 11:06

O novo livro de Gonçalo M. Tavares editado pela Caminho vai marcar a literatura portuguesa, ocorrendo desde o seu lançamento um AVI (Antes de «Uma Viagem à Índia») e um DVI (Depois de «Uma Viagem à Índia»). Pelo menos é essa a opinião de Vasco Graça Moura, que, na apresentação da obra, no Centro Cultural de Belém, considerou que o livro «vai marcar com certeza não apenas a História da Literatura Portuguesa, mas provavelmente a cultura europeia».

A coincidência de opiniões entre Zeferino Coelho e Vasco Graça Moura foi comum, embora ambos assegurem que não foi combinada. O editor da Caminho confessou no novo espaço criado no Centro Cultural de Belém (Sala de Leitura Jorge de Sena, «uma biblioteca recente mas que, segundo apurei, é viva e isso é indispensável») o seu «deslumbramento» com a obra, revelando ao mesmo tempo um segredo:

«Na minha vasta carreira só uma vez senti a emoção que passei ao ler «Uma Viagem à Índia». Foi há 30 anos, com «Levantado do Chão», de José Saramago», afirmou o editor, que disse que a obra já está editada em Moçambique e em Angola e que chegará ao Brasil em Dezembro. «É fundamental que este livro saia nos países de língua portuguesa e ainda bem que foi um português a escrevê-lo.»

«Este não é mais um livro, nem sequer mais um bom livro. É um livro que marcará um momento na literatura portuguesa», defendeu Zeferino Coelho, concluindo que, em 2110, «haverá colóquios e congressos com especialistas que vão estudar a passagem «A» ou «B» da obra ou as consequências que esta teve na literatura». Palavras e prognósticos que foram secundados por Vasco Graça Moura.

«É um livro extraordinário. Estou convencido de que dentro de cem anos haverá teses de doutoramento sobre passagens e fragmentos de «Uma Viagem à Índia» (…) Este é um livro a muitos títulos surpreendente. Não pelo ineditismo ou pela novidade das peripécias, não por aspectos empolgantes da acção, mas, desde logo, pela maneira como, nele, caleidoscopicamente tudo se eleva à dignidade de literatura enquanto meio para retratar, talvez dizendo melhor, radiografar a condição humana.»

Se Zeferino Coelho recordou «Levantado do Chão», Vasco Graça Moura referiu que também teve uma epifania, recordando a mesma sensação que sentiu quando leu «Memorial do Convento», também de José Saramago, autor que Gonçalo M. Tavares disse que um dia iria dedicar um dos seus livros («Uma Viagem à Índia» é dedicado a Eduardo Prado Coelho. «É uma maneira de dizer que não esquecemos deles»).

O orador advogou que a obra é difícil de catalogar («Será poesia? Será prosa?»), mas considerou a mesma uma «epopeia», «uma palavra que aparece por diversas vezes ao longo do livro».

«Acredito que Bloom, o protagonista, saiu das páginas de «Ulisses», de James Joyce, mas ele é português (…), o livro retrata a nossa epopeia (…). Bloom é nós todos de certa forma», considerou Vasco Graça Moura, que deixou um recado aos leitores: «Mas muitas vezes é tão importante o percurso como os seus momentos isolados».

Outra matriz que encontramos em «Uma Viagem à Índia», e talvez a mais importante, seja «Os Lusíadas», de Luiz Vaz de Camões.

«Há pontos de contacto entre «Os Lusíadas» e este. A obra de Camões serve como bússola e cartografia no romance, há mais referências do que se pode pensar», sustentou Vasco Graça Moura. «Por exemplo, o aparecimento do Adamastor aparece aqui através de um velho com uma boca enorme e dentes amarelos.».

O orador terminou a sua apresentação com as palavras proferidas por Zeferino Coelho.

«Daqui há um século haverá gente a organizar simpósios e teses sobre a obra de Gonçalo M. Tavares.»

O autor de «Uma Viagem à Índia» ficou desarmado com a exposição de Vasco Graça Moura, salientando que «a leitura completa e meticulosa» do apresentador dispensava o que ele iria dizer sobre o livro.

«Esta leitura apresenta uma leitura muito distinta do prefácio de Eduardo Lourenço e isso, para um autor, é gratificante. Terei de a ler depois com mais calma.»

Tavares disse ainda que «Uma Viagem à Índia» surgiu de uma ideia de responsabilidade com o passado, defendendo que o que diferencia o homem do animal não é o planeamento, mas a memória. «Um dos gestos mais característicos do homem é conservar a memória, olhar para o passado».

O autor admitiu também a sua «aproximação amorosa» aos «Os Lusíadas», «já que qualquer escritor tem de ter a noção de que não é a primeira carroça, antes deles muitos já escreveram coisas maravilhosas, mas também que não é a última e portanto deve deixar algo para os outros».

Devido a sua complexidade, Gonçalo M. Tavares acredita que «Uma Viagem à Índia» exige uma «mudança de posição do leitor, que deve deslocar a sua cadeira, a sua mesa».

Diário digital
quarta-feira, 17 de Novembro de 2010 | 11:06